No dia 10 de dezembro, celebra-se o Dia Internacional dos Direitos dos Animais, data que coincide com o Dia Internacional dos Direitos Humanos. O objetivo é destacar que todos os seres sencientes merecem proteção. Neste dia, defensores dos animais de todo o mundo organizam eventos para chamar a atenção sobre a exploração animal, sonhando com um futuro de maior respeito a todos os seres sencientes.
Nós, da Ética Animal, queremos enfatizar que esta data representa um momento crucial para reafirmar a importância de defender os animais e combater o especismo.
Por isso, decidimos focar este ano em algumas das vítimas mais esquecidas e numerosas do especismo: os invertebrados aquáticos destinados ao consumo humano, com atenção especial aos camarões.
A cada dia, centenas de bilhões de minúsculos indivíduos são amontoados em tanques lotados ao redor do mundo. A qualquer momento, existem mais de 200 bilhões de camarões em fazendas – mais do que qualquer outro animal de criação. Na verdade, mais camarões são mortos para alimentação do que qualquer outro animal, com aproximadamente 440 bilhões sendo mortos anualmente1. À medida que os países se tornam mais ricos, seu consumo de camarões aumenta, o que significa que essa exploração massiva provavelmente continuará crescendo.
No entanto, a maioria de nós nunca parou para se perguntar: O que eles podem sentir? Como é a experiência deles?
Antes de aprendermos mais sobre esses seres, reserve um momento para refletir: o que você acha que um camarão sente?; se estivesse no corpo dele, que sensações você experimentaria?
Conheça a Maya. Ela está explorando o fundo do oceano, movendo suas antenas sensíveis para sentir a água ao seu redor. Assim como você, Maya pode perceber quando a água está muito quente ou muito fria2.
Assim como você, ela se afastará rapidamente de algo que possa machucá-la. Assim como você, ela sente dor quando machucada e busca segurança quando ameaçada. Na verdade, as evidências sobre a capacidade dos camarões de sentir dor são tão convincentes que o Reino Unido legalmente os reconheceu como seres sencientes3.
Maya é um camarão.
Para entender o que camarões como a Maya podem sentir, vamos observar o que os cientistas descobriram.
Assim como temos células nervosas especiais para detectar dor, os cientistas descobriram que os camarões têm células similares por todo o corpo4. Esses nociceptores (detectores de dor) enviam sinais quando detectam algo prejudicial. Como nós, os camarões têm sistemas nervosos centralizados que podem processar esses sinais e criar a sensação de dor.
Os cientistas testaram isso observando respostas complexas que vão além de simples reflexos. Eles descobriram que os camarões:
· Mudam seus comportamentos normais de alimentação e socialização quando estão feridos5
· Aprendem a evitar lugares onde experimentaram algum tipo de dano, mesmo muito tempo depois da experiência inicial
· Fazem escolhas entre evitar danos e buscar alimento
· Mostram mudanças comportamentais após lesões que podem ser reduzidas com medicamentos para alívio da dor
Quando olhamos para todas essas evidências – seus sensores de dor, suas habilidades de aprendizado, suas respostas a lesões – que podemos concluir? Essas coisas não nos dizem exatamente como os camarões experimentam o mundo. Talvez nunca saibamos precisamente como é ser um camarão. Mas sabemos que eles têm estruturas físicas para sentir dor e mostram sinais claros de experimentá-la.
Lembre-se de uma vez em que você tocou algo muito quente e se queimou. Mesmo semanas depois, provavelmente se aproximaria de objetos similares com mais cautela. Cientistas observaram camarões demonstrando esse mesmo tipo de aprendizado.
Essas evidências de aprendizado sugerem que os camarões sentem dor, em vez de apenas responder à situações prejudiciais por puro reflexo.
A evidência de senciência não é prova absoluta, mas as evidências são bastante sólidas. Pense assim: Se você visse alguém prestes a pisar no que poderia ser o pé de seu amigo, esperaria ter certeza absoluta de que causaria dor antes de avisá-lo? Ou falaria, apenas por precaução?
Quando centenas de bilhões de indivíduos podem ser capazes de sofrer, temos boas razões para ser cautelosos. Não precisamos ter 100% de certeza de que os camarões sentem dor para decidir que eles merecem nossa consideração. As evidências que sugerem que estes indivíduos podem sofrer são suficientemente fortes para que levemos a sério seu bem estar.
Enquanto os camarões evoluíram para se movimentar em águas abertas, usando suas antenas sensíveis para navegar e detectar seu entorno, os camarões criados em fazendas são amontoados em tanques lotados. Pense em como deve ser horrível quando muitas pessoas estão tocando você ao mesmo tempo, ou quando cheiros fortes ou luzes brilhantes bombardeiam seus sentidos. Agora imagine que sua principal forma de compreender o ambiente – como nosso sentido da visão ou do tato – esteja constantemente sobrecarregada. É isso que os camarões criados em fazendas suportam todos os dias de suas vidas.
Aproximadamente metade dos camarões criados morre antes mesmo de atingir a idade de abate. A água em que vivem frequentemente contém resíduos e produtos químicos que irritam seus corpos sensíveis. Muitos desenvolvem infecções – provavelmente dolorosas – devido a essas condições.
Em geral, os camarões são retirados da água e empacotados em gelo ainda vivos. Estudos mostram que os camarões tentam ativamente evitar águas muito quentes ou muito frias. Ser empacotado em gelo é muito mais extremo do que as variações de temperatura que eles normalmente suportam na natureza.
A situação se torna ainda mais dramática quando consideramos que a criação de camarões é apenas parte de um problema maior. Todo ano, operações pesqueiras matam dezenas de trilhões de camarões, e um número muito maior de animais aquáticos no total. Em resposta a preocupações sobre pesca predatória, muitas organizações, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação (FAO), estão promovendo a aquicultura – incluindo a criação de camarões – como uma alternativa mais sustentável que a pesca predatória. Mas essa “solução” simplesmente transferiria o sofrimento dos animais capturados para os animais criados, aumentando consideravelmente o número total de indivíduos submetidos a confinamento intensivo.
É compreensível que achemos mais difícil ter empatia com camarões do que com animais que são mais parecidos conosco. Não conseguimos ver expressões de dor em seus rostos ou ouvir gritos de angústia. Mas nossa dificuldade em criar um relacionamento com esses animais e com suas experiências não torna seu sofrimento menos real.
Algumas pessoas dizem: “Mas eles são apenas camarões”. Agora que sabemos sobre sua capacidade de sentir dor e angústia, precisamos nos perguntar: Seu tamanho pequeno ou sua diferença em relação a nós torna seu sofrimento menos importante? Se um ser pode sofrer, não deveríamos nos importar com esse sofrimento, independentemente de sua aparência ou quão diferentes sejam de nós?
A escala desse sofrimento é impressionante – mais camarões são mortos para alimentação do que qualquer outro animal na Terra. Mas números tão grandes podem nos deixar insensíveis ao que realmente importa: cada camarão é um indivíduo que pode sentir dor e angústia.
Quando entendemos que os camarões podem sofrer, precisamos nos fazer algumas perguntas importantes:
· Se não temos certeza do quanto eles podem sentir, mas temos boas evidências de que eles podem sofrer, qual seria a forma mais ética de agir?
· Como devemos reagir quando descobrimos que nossas ações podem estar causando sofrimento e morte?
· Quais são nossas responsabilidades para com indivíduos que podem sofrer, independentemente de quão diferentes sejam de nós?
Essas questões não são sobre conveniência ou preferências de sabor. São sobre o que devemos a outros seres capazes de sentir dor, angústia e prazer. Uma vez que reconhecemos que os camarões são indivíduos capazes de sofrer, não temos a responsabilidade de considerar seus interesses ao fazer nossas escolhas?
Quando começamos esta exploração, conhecemos a Maya, um camarão usando suas antenas sensíveis para experimentar seu mundo. Aprendemos que camarões, como a Maya, têm estruturas físicas para sentir dor e mostram sinais claros de que vivenciam essa dor. Vimos evidências de que eles evitam ativamente situações prejudiciais e lembram o que causa angústia ou prazer.
Esse conhecimento traz responsabilidade. Embora talvez nunca saibamos exatamente como é ser um camarão, as evidências de sua capacidade de sofrer são suficientemente fortes, logo, não podemos simplesmente ignorá-las. Cada um dos bilhões de camarões em fazendas é um indivíduo que pode sentir dor ou buscar experiências positivas, assim como a Maya.
A questão não é apenas tornar seu cativeiro menos doloroso. São indivíduos que têm suas próprias vidas para viver. Mesmo se pudéssemos eliminar todo sofrimento nas fazendas de camarões, ainda estaríamos privando injustamente seres sencientes de suas vidas. Quando reconhecemos os camarões como indivíduos que podem sentir e sofrer, devemos questionar não apenas como são tratados, mas nossa suposição de que temos o direito de explorá-los e matá-los.
É crucial entender essa questão em seu contexto mais amplo. A FAO e outras organizações internacionais estão trabalhando ativamente para expandir e intensificar operações de aquicultura em todo o mundo para atender à crescente demanda global por animais marinhos. Isso levaria a dezenas ou centenas de TRILHÕES de animais aquáticos confinados e mortos todos os anos.
O que muda quando paramos de ver camarões como criaturas minúsculas e anônimas e começamos a vê-los como indivíduos capazes de sofrer? Essa mudança de perspectiva nos pede para examinar não apenas o que sabemos, mas o que faremos com esse conhecimento.
Na Ética Animal, estamos direcionando nosso foco para expor a verdade por trás da exploração de invertebrados, que provavelmente irá expandir e se intensificar nas próximas décadas. Já vimos campanhas iniciais de defensores dos animais levarem a proibições da criação de polvos em alguns estados dos EUA antes mesmo de tal atividade começar, e uma proibição nacional está sendo considerada. Por favor, apoie nosso trabalho e nos ajude a continuar espalhando consciência sobre por quê devemos nos opor a criação de invertebrados!
Bae, S-H.; Tomoyuki; O.; Bong, J. K. & Wilder, M. N. (2013) “Alterations of pattern in immune response and vitellogenesis during induced ovarian development by unilateral and bilateral ablation in Litopenaeus vannamei”, Fish Science, 79, pp. 895-903.
Perazzolo, L. M.; Gargioni, R.; Ogliari, P.; Margherita, A. A. & Barracco, M. A. A. (2002) “Evaluation of some hemato-immunological parameters in the shrimp Farfantepenaeus paulensis submitted to environmental and physiological stress”, Aquaculture, 214, pp. 19-33 [acessado em 27 de novembro de 2024].
Sainz-Hernández, J. C.; Racotta, I. S.; Silvie, D.; Hernández-López, J. (2008) “Effect of unilateral and bilateral eyestalk ablation in Litopenaeus vannamei male and female on several metabolic and immunologic variables”, Aquaculture, 283, pp. 188-193.
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1 Waldhorn, D. R. & Autric, E. (2023) “Shrimp: The animals most commonly used and killed for food production”, Rethink Priorities, August 11 [acessado em 30 de novembro de 2024].
2 McKay, H. & McAuliffe, W. (2024) “Pre-slaughter mortality of farmed shrimp”, Rethink Priorities, March 12 [acessado em 29 de novembro de 2024].
3 Waldhorn, D. R. & Autric, E. (2023) “Shrimp: The animals most commonly used and killed for food production”, op. cit.
4 FAO (2024) The state of world fisheries and aquaculture: Blue transformation in action, Rome: FAO [acessado em 25 de novembro de 2024].
5 Waldhorn, D. R. & Autric, E. (2023) “Shrimp: The animals most commonly used and killed for food production”, op. cit.