30 anos da publicação de “Morals, reason and animals”

15 Dez 2017
Morals, reason and animals

Em 2017, completaram-se 30 anos desde a publicação de Morals, reason and animals (Moral, razão e animais, em tradução livre). Este clássico de Steve F. Sapontzis, publicado em julho de 19871, foi um dos primeiros trabalhos contemporâneos sobre ética animal a analisar o tema das ações para ajudar animais na natureza.

Um número muito alto de autores e autoras escreveram sobre o especismo, e muitas pessoas podem até ter ouvido falar de Peter Singer ou Tom Regan. Mas a verdade é que há várias pessoas que não se tornaram tão bem conhecidas, mas mesmo assim contribuíram notavelmente para a ética animal ao longo de suas vidas. Vários nomes poderiam ser mencionados aqui, e em particular, poderíamos citar filósofas como Evelyn Pluhar2 ou Paola Cavalieri3.

No entanto, outra pessoa que claramente deveria estar nessa lista é Steve Sapontzis.

Sapontzis, professor emérito de filosofia na Universidade do Estado da Califórnia, escreveu uma grande quantidade de artigos sobre o especismo (uma lista contendo algumas de suas publicações pode ser encontrada aqui ). Ele também foi o cofundador em 1984 de Between the Species, o principal periódico sobre animais e filosofia que permanece ativo até os dias de hoje. Para saber mais sobre as ideias de Sapontzis, leia uma entrevista com ele aqui4.

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Um dos livros sobre ética animal mais importantes dos anos 1980

Durante a década de 1980, alguns livros bem importantes foram escritos, principalmente, por exemplo, Animal rights and human morality, por Bernard Rollin (publicado em 1981)5 ou posteriormente, The case for animal rights, por Tom Regan (publicado em 1983)6. Morals, reason and animals também deve ser citado como um dos mais originais dentre eles, um dos livros mais importantes publicados sobre o especismo e a consideração moral dos animais não humanos. Na verdade, foi um trabalho revolucionário em sua época.

O título do livro é bastante descritivo no que se refere ao conteúdo. O livro aborda a questão de se devemos ou não dar consideração moral a animais e se a capacidade de raciocínio é um motivo para considerar que os interesses de alguém merecem mais atenção. No entanto, ele não aborda essa questão estritamente em um sentido geral e abstrato, mas também examina as consequências práticas que podem resultar dela.

O livro é muito detalhado e aborda vários temas diferentes. Um índice do conteúdo pode ser encontrado aqui. Mas vários pontos em particular podem ser destacados. Morals, reason and animals argumenta exaustivamente contra a ideia de que aqueles indivíduos com maior capacidade de raciocínio devem ser considerados mais importantes. Também afirma que, ao contrário do que algumas pessoas pensam, ajudar os animais na natureza é a coisa certa a se fazer em todos os casos em que isso for viável de se fazer sem prejudicar ainda mais outros animais. Também explica detalhadamente por que o respeito pelos animais pode ser defendido a partir de qualquer das posições éticas mais aceitas.

Por que ser “racional” não é o que deve levar à consideração moral

Uma maneira comum de defender a prioridade moral dos seres humanos sobre outros seres sencientes é dizer que humanos possuem capacidades cognitivas mais elevadas. Sapontzis discute por que essa visão está errada, ainda que muito difundida.

Ter uma certa inteligência pode significar que, em certos casos, podemos ser prejudicados ou prejudicadas se acontecer algo que nos cause sofrimento psicológico significativo. Por exemplo, se quisermos estudar e aprender mais sobre um assunto ou disciplina em particular, e formos impedidos de fazê-lo, isso pode fazer com que soframos. Igualmente, algo pode nos levar a sofrer em certas circunstâncias se anteciparmos que vamos experimentar algum dano. Mas ter essas capacidades cognitivas não é o que nos torna capazes de sofrer, mas sim a senciência. Mas em muitas outras circunstâncias, todas essas capacidades cognitivas são irrelevantes. Se queimarmos nossa mão, a dor que sofremos não é maior se formos mais inteligentes. Além disso, em outros casos, ter essas capacidades pode nos fazer sofrer menos. Se alguém nos captura e nos causa dor, sofreremos ainda mais se não entendermos o que está acontecendo. Podemos até mesmo ter medo de sermos mortos, mesmo que aqueles que nos seguram apenas queiram nos ajudar, dando-nos tratamento veterinário.

Tudo isso mostra que a senciência, e não a razão, é o que deve falar mais alto quando se trata de respeitar alguém.

Intervenção para ajudar animais na natureza

Sapontzis analisa a questão de se devemos ajudar ou não animais que estão em situações de necessidade na natureza. Há um ponto de vista que muitas pessoas ainda têm, embora venha perdendo força, segundo o qual nós não temos de nos preocupar com isso. Há até mesmo aqueles que sustentam a ideia de que intervir para evitar o sofrimento dos animais no mundo é louca ou absurda, assim como o antiespecismo.

O que argumenta Sapontzis é que essa ideia, apesar de ser considerada absurda por algumas pessoas (em particular por algumas que defendem posturas ecologistas), não é bem assim. Sapontzis indica que, se pudermos ajudar alguém em necessidade, não há motivo para não fazer isso. Ele também aponta que isso é assim mesmo quando há um conflito entre diferentes animais, de modo que qualquer que seja a nossa decisão, haverá alguns que estão numa situação pior.

Sapontzis argumenta que, em tal situação, o que tem de ser feito não é ignorar a questão, mas tomar a melhor decisão para os animais. O que isso pressupõe é que agir a favor dos animais não só se justifica, mas também é algo positivo, e que devemos fazer isso desde que não cause maiores danos. Há muitos casos em que isso não é possível e, portanto, não devemos agir (pois isso causaria mais danos para outro ou outros indivíduos). Mas há muitos casos em que é possível intervir sem causar maiores danos e, nesses casos, o correto é agir com eficácia (seus argumentos sobre esta questão já tinham sido antecipados em um artigo anterior de 1984)7.

Justamente por isso, Sapontzis estava particularmente preocupado com distinguir o ponto de vista antiespecista e suas consequências das posturas ecologistas. Sapontzis argumenta que devemos apoiar o primeiro, e não o último, porque o que é relevante na decisão de respeitar alguém não é nada mais que sua capacidade de sofrer e sentir prazer.

A atenção que Sapontzis dá ao assunto de ajudar animais na natureza é muito significativa. Ela contrasta com o tratamento previamente dado ao assunto por outros como Regan e Singer, que foi limitado e insatisfatório (embora isso já tenha começado a mudar, já que Singer agora considera o assunto muito importante, tendo já escrito e falado sobre o mesmo)8. Poderíamos pensar que talvez Sapontzis tenha sido o primeiro a lidar com esta questão, mas na verdade não é o caso, já que há mais de um século e meio ela já havia sido abordada por Lewis Gompertz, um dos primeiros veganos de que se tem conhecimento na história e que também era um defensor do antiespecismo muito antes deste termo ter sido introduzido9.

Mas não há dúvidas de que, apesar disso, Sapontzis foi uma das pessoas que incentivou a discussão sobre a situação dos animais na natureza por meio do seu trabalho.

Precisamos respeitar os animais, independentemente de qual for a nossa postura ética

Por fim, outro ponto com que Sapontzis lidou é o fato de que, na ética, vários pontos de vista são propostos. Assim, Sapontzis levantou a seguinte questão: defender animais implica a aceitação de alguma teoria ética em particular? Ele explica os motivos pelos quais a resposta é negativa. Podemos defender o respeito por todos os animais sencientes e rejeitar o especismo, independentemente da posição ética particular que possamos aceitar.

Por estes e outros motivos, recomendamos que todas as pessoas que se interessam pela filosofia antiespecista leiam este livro. Sem dúvida, os problemas abordados por Sapontzis têm sido discutidos de forma bastante completa ao longo dos anos, de modo que, hoje em dia, não são uma novidade. Mas eram na sua época, há três décadas. Portanto, essa é uma boa ocasião para celebrar a publicação desse livro.


Notas:

1 Sapontzis, S. F. (1987) Morals, reason, and animals, Philadelphia: Temple University Press.

2 Ver Pluhar, E. B. (1995) Beyond prejudice: The moral significance of human and nonhuman animals, Durham: Duke University Press.

3 Ver, em particular, Cavalieri, P. (2001) The animal question: Why nonhuman animals deserve human rights, Oxford: Oxford University Press.

4 A entrevista pode ser vista no Web Archive, embora o The Abolitionist Online, jornal onde foi publicada, não esteja mais online.

5 Rollin, B. (1981) Animal rights and human morality, Buffalo: Prometheus Books.

6 Regan, T. (1983) The case for animal rights, Berkeley: University of California Press).

7 Sapontzis, S. F. (1984) “Predation”, Ethics and Animals, 5, pp. 27-38.

8 Singer, P. (2015) “Practical ethics: Predation”, Matěj Dostál, YouTube, 24 Mar. [acessado em 14 de abril de 2017].

9 Gompertz, L. (1997 [1824]) Moral inquiries on the situation of man and of brutes, Lewiston: Edwin Mellen.